É comum, em tempos de "ambulâncias", encontrarmos algumas expressões equivocadas em jornais e revistas, como, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal (STF) "autoriza" a investigação de parlamentar e a Procuradoria-Geral da República (PGR) vai "investigar". Portanto, surgem dúvidas e perguntas, no meio de tantas informações difusas. É necessária a autorização judicial ou legislativa para o início da investigação de conduta, em tese, típica penal de parlamentar? O órgão de investigação que detém a legitimidade é a PGR? Em quais circunstâncias haverá a instauração de inquérito policial?
A "autorização" para processar criminalmente membro do Congresso Nacional (CN), mesmo antes da alteração promovida pela Emenda Constitucional (EC) 35/2001, não abrangia a fase da investigação policial por meio de inquérito policial. A prévia licença da respectiva Casa era exigida antes de o STF receber a denúncia do PGR, ou seja, só depois de encerrado o inquérito policial com oferecimento de uma peça chamada "relatório" pelo Delegado de Polícia. A EC 35/2001 não alterou o rito do Inquérito policial ou de investigação de Parlamentar: independe de autorização do STF ou da respectiva Casa (prevista antes da EC 35/01) para que ocorra o procedimento preliminar ou pré-processual de investigação.
No campo fértil para debates que é a investigação de parlamentar, surge a controvérsia sobre a designação de data para a sua oitiva. O art. 221 do Código de Processo Penal (CPP) prescreve que os parlamentares serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz, o que também se aplica no inquérito policial, ou seja, entre eles e a autoridade policial. Os presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados poderão optar, ainda, pela prestação de depoimento por escrito. O art. 221 está inserido no capítulo "Das Testemunhas", o que leva a crer que o parlamentar, quando estiver na qualidade de investigado, não goza da prerrogativa de ajustar previamente o local e dia da oitiva.
Mesmo essa data a ser designada deve ter parâmetros, ou seja, a data deve estar compreendida no período previsto para realização das diligências policiais, que, na forma do art. 10 do CPP, devem ser encerradas em 30 dias, quando o investigado estiver solto. É aconselhável que a autoridade policial, em ofício dirigido ao parlamentar, delimite, desde aquele momento da expedição, o prazo inicial e o prazo final para que o Parlamentar possa ajustar a data em que prestará seu depoimento. O prazo final para esse ajustamento é o de encerramento das diligências, no curso de 30 dias, quando o inquérito policial deverá ser devolvido à Justiça.
No HC 80592, rel. Min. Sydney Sanches, decidiu-se que a ausência de investigado ao interrogatório há que ser interpretada como manifestação pela garantia constitucional contra a auto-incriminação, não podendo haver condução coercitiva, no caso de o parlamentar ser o investigado.
Na ementa do julgado consta que se o parlamentar não comparecer, sua atitude é de ser interpretada como preferindo calar-se e não pode ser conduzido coercitivamente por ordem da autoridade policial.
Ainda, em relação ao julgado citado, é de bom alvitre mencionar que o ajustamento de oitiva, "in casu", para interrogatório (e não para depoimento, porque o Parlamentar é investigado e não testemunha), é uma faculdade da autoridade policial, pois "o parlamentar pode ser convidado a comparecer" (não há obrigação de fazer ou prerrogativa processual), do contrário, constaria que "o parlamentar deve ser convidado."
De acordo com entendimentos monocráticos da Ministra Ellen Gracie (Pet 3248, DJ de 23.11.2004) e do Ministro Gilmar Mendes (Inq 2285, DJ de 13.03.2006), a via adequada para processamento de petição, requerimento, "notitia criminis", requisição, de natureza penal, perante o STF, é o inquérito policial, instruído por meio de investigações policiais a serem realizadas pela Polícia Judiciária da União, ou seja, pela Polícia Federal (PF), no caso de crimes contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, como se transcreverá adiante.
No âmbito do STF há, contudo, disposição regimental que é de difícil conciliação com os precedentes citados, bem como com o sistema acusatório brasileiro, com a autonomia e imparcialidade dos órgãos de investigação, acusação e julgamento. É a disposição do art. 43 do RISTF, especialmente a primeira parte do seu parágrafo primeiro, que atribui ao Presidente do STF a competência delegável para instaurar inquérito, em referência a autoridades submetidas à sua jurisdição.
A nova Lei de Falências (Lei 11.101/2005) revogou a lei anterior (Decreto-Lei 7.661/1945) que tratava do inquérito judicial, no qual, ainda assim, o juiz da instrução era diverso do juiz do julgamento. A novel Lei 11.101, art. 187, § 2º, preceitua que os indícios de crimes falimentares serão comunicados ao MP, deixando de prever o inquérito judicial, em harmonia com a CF e com o sistema acusatório puro, implicitamente admitido no art. 129, I, art. 144 e art. 93, IX, todos da Constituição Federal de 1988 – CF/88, com nítida separação de funções.
A leitura dos dispositivos legais, constitucionais e doutrina autoriza a ilação de que o Inquérito autuado no STF, para investigação de conduta, em tese, típica penal de parlamentar, há que ser o inquérito policial, conduzido pela Polícia Judiciária e presidido por autoridade policial.
O art. 144 da CF definiu a PF como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, que se destina a exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União, assim entendidas as colheitas de depoimentos, documentos e laudos periciais.
Na CF, art. 102, I, "b", encontramos referência à competência originária do e. STF para "processar e julgar" os membros do CN "nas infrações comuns", mas há omissão quanto a instaurar e instruir Inquéritos policiais.
O art. 231 do Regimento Interno do STF (RISTF) reza que o inquérito, de competência originária do STF, será distribuído e encaminhado ao PGR para oferecer denúncia ou arquivamento. Quando houver a necessidade de diligências. Quando não for possível a denúncia ministerial e nem requerido o arquivamento, salvo melhor juízo, será caso de o inquérito ser requisitado à Polícia Judiciária, instaurado e instruído perante essa, atendida a requisição do PGR, sob a jurisdição do STF.
A legislação pátria recomenda que a Autoridade Policial, que tem a capacidade operacional e conhecimento técnico investigativo, inicie as investigações requisitadas pelo PGR, através de portaria de inquérito policial, recebendo toda a documentação como "notitia criminis" e o ofício requisitório de diligências como ofício requisitório de instauração de inquérito policial. Com essa medida se enaltecem os princípios processuais da celeridade, eficiência, economia e o próprio sistema acusatório, evitando a instauração de um inquérito ou procedimento de investigação criminal paralelos e a contaminação de funções com prejuízo para a imparcialidade do apuratório.
O investigado terá, na portaria, além de seu registro em livros próprios, a exata delimitação do fato investigado, a tipificação provisória, as diligências iniciais da autoridade policial e os traços identificadores de autoria, o que propicia o controle administrativo, judicial e das partes, sendo um reflexo do desdobramento dos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Na ADIN 1570, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 22.10.2004, p. 4, a ementa registra que: "A realização de Inquérito é função que a Constituição reserva à polícia." A criação da figura de "procedimento de investigação criminal (pic)", no âmbito do MPF, agrava as dificuldades doutrinárias acerca da definição sobre a natureza de um procedimento paralelo com o mesmo objetivo e cópia dos atos formais do inquérito, sem controle judicial, com previsão em resolução e não no CPP, e sem controle tipicamente externo, uma vez que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), presidido pelo PGR tem, na sua composição, maioria de representantes do MPF. O curioso é que são 26 Ministérios Públicos Estaduais (o MPDFT pertence à estrutura do MPU) e a representatividade é menor do que a do MPF.
De qualquer forma, no HC 80592, relator Ministro Sydney Sanches, o STF afirmou que o inquérito policial, em investigação que envolva parlamentar, permanecerá "sob controle jurisdicional direto do Supremo Tribunal Federal". Deve ser entendido qualquer procedimento de natureza penal, portanto, não só o inquérito Policial (IP) como o "sui generis" PIC devem se submeter ao controle judicial, sob pena de violação de garantias e prerrogativas asseguradas constitucionalmente ao investigado.
Delegado de Polícia Federal em Brasília/DF, com atuação na Diretoria de Combate ao Crime Organizado - DCOR/DPF. Pós-graduado em Segurança Pública e Defesa Social (2006) e em Processo Civil (2001). Membro da Diretoria Executiva da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF). Mestrando em Direito. Professor da Academia Nacional de Polícia (ANP), em Brasília/DF. Autor do livro "O Crime Organizado na visão da Convenção de Palermo".
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Rodrigo Carneiro. As prerrogativas do parlamentar no inquérito policial: competência, garantias e o iter procedimental da investigação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2008, 07:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /16310/as-prerrogativas-do-parlamentar-no-inquerito-policial-competencia-garantias-e-o-iter-procedimental-da-investigacao. Acesso em: 28 dez 2024.
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